A REGRA DAS CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS

Texto escrito pela Professora Tassiana Bezerra em conjunto com o aluno da FASP Henrique Rocha.

À medida que se aproximam as eleições gerais de 2022, é importante enfatizar a importância das convenções partidárias, bem como debater as suas regulamentações.

Encerrado o período de filiações, desincompatibilização, entre outros atos, os partidos políticos podem realizar atos político-partidários, cuja finalidade é a escolha de candidatos para concorrerem aos cargos eletivos consagrados na Constituição Federal, assim como deliberar sobre eventual coligação partidária para a chapa majoritária. A esse ato solene se denomina convenção partidária.

Segundo a Resolução TSE nº 23.609/2019, poderá participar das eleições a sigla que até seis meses antes da data do pleito tenha registrado seu estatuto na Corte Eleitoral e tenha, até a data da convenção, órgão de direção definitivo ou provisório constituído na circunscrição, devidamente anotado no tribunal eleitoral competente, de acordo com o respectivo estatuto partidário.

Com as alterações promovidas pela Resolução nº TSE 23.6754, também está apta a participar dos pleitos eleitorais a federação de partidos que até seis meses antes da data da votação tenha registrado o respectivo estatuto no TSE e conte, em sua composição, com ao menos uma agremiação que tenha, até a data da convenção, órgão de direção definitivo ou provisória legalmente constituído.

Vale ressaltar que no caso das federações as convenções deverão ocorrer de maneira unificada, como a de um único partido.

O calendário eleitoral dispõe que as convenções partidárias de 2022 poderão acontecer de forma presencial, virtual ou hibrida no período de 20 de julho a 5 de agosto.  O condicionamento da escolha e substituição de candidaturas, bem como a formação de coligações, é um ato interno das agremiações partidárias e deve ser previsto no próprio estatuto.

No Brasil, as eleições gerais são divididas em dois níveis, o que enseja a realização de 2 espécies de convenções, a saber:

Convenção Regional: Tem por objetivo a indicação de candidatos a Governador, Vice-Governador, Senador e Deputados (federais, estaduais e distritais), assim como dispor acerca de eventual coligação na chapa majoritária.

Convenção Nacional: Destina-se a escolher candidatos a Presidência da República e respectivo Vice-Presidente e discorrer sobre a viabilidade de coligação nacional.

E o local das convenções, os partidos podem usar prédios públicos?

Sim, é permitido o uso de prédios públicos para a realização das convenções político-partidárias. Embora a utilização seja gratuita, haverá responsabilização civil da entidade partidária, caso aconteça danos ao patrimônio público. 

É necessária comunicação para utilizar o prédio?

Sim, para fazer valer a tal direito, bastará comunicar ao agente responsável tal pretensão, com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da data da realização do evento. Em caso de mais uma entidade partidária solicitar o mesmo local e houver coincidência de data e horário para a realização da convenção, deverá ser observada a ordem de protocolo das comunicações.

Na semana que antecede as convenções, observa-se que diversos pré-candidatos lançam convites, vídeos aos militantes e filiados dos partidos, é permitido? Sim. É a denominada propaganda intrapartidária ou propaganda intrapartidária ou propaganda no âmbito interno do partido, durante o período de 15 dias que antecederem á convenção, com o escopo de angariar apoio interno e ser indicado como candidato. Porém, veda-se o uso de rádio, televisão, jornal ou outdoor para essa finalidade.

Os números que identificarão candidatas e candidatos durante a campanha eleitoral e na urna eletrônica devem ser definidos na convenção partidária, por meio de sorteio. As exceções são aqueles postulantes que já utilizaram determinada identificação numérica em eleição anterior.

O último pleito, que ocorreu durante o período pandêmico, fez surgir novas dúvidas, como a possibilidade de transmissão ou não das convenções por meio de redes sociais.

É importante destacar que o ato de convenção deve ser intrapartidário, no entanto não há uma vedação explícita nesse caso citado. A simples transmissão não configura por si só uma propaganda eleitoral, essa é a jurisprudência do TSE.

A PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA E OS REFLEXOS DA EC Nº 111/2021 NAS ELEIÇÕES 2022

Prof. Msc. Tassiana Bezerra

Henrique Rocha – Estudante do 8º Período do Curso de Direito da FASP.

Fonte da Imagem: https://jornaldaparaiba.com.br/politica/conversa-politica/2022/03/08/participacao-feminina-politica-partidos-compromisso

Em um primeiro plano, é notório que pensar no papel social desempenhado pelas mulheres na sociedade brasileira é um exercício necessário, principalmente quando levamos em consideração uma sociedade composta sob a égide do machismo, do patriarcalismo e da exclusão feminina.

No ambiente político, mais especificamente sobre a ótica do processo eleitoral, não é diferente. Ainda que se possa falar em um aumento da participação política das mulheres, seja como eleitoras (desde a década de 1937), seja como candidatas a cargos públicos, a mudança ocorre a passos lentos.

O site do Tribunal Superior Eleitoral informa que o nosso eleitorado é formado 150 milhões de mulheres, somando 53%. No entanto, ainda são minoria nos cargos de representação. Nos últimos 195 anos, a Câmara dos Deputados por exemplo, teve 7.333 deputados, incluindo suplentes. Apesar de conquistarem o direito de serem eleitas em 1933, as mulheres ocuparam somente 266 cadeiras nestes quase 90 anos.[1]

No pleito de 2022, foram mais de 187 mil mulheres candidatas em todo o país, ou seja, cerca de 28,5 mil a mais do que em 2016. No resultado das eleições de 2020 também tivemos mais mulheres eleitas: foram 666 prefeitas contra 641 anteriormente. Entretanto, isso representa apenas cerca de 12% do total de eleitos. Já para as câmaras municipais, foram 9.277 vereadoras eleitas (16%), contra 48.265 vereadores (84%).

Tais números explicam por que o Brasil está no fim da fila dos países com baixa representação feminina na política, ocupando a 142ª posição entre 191 nações citadas no mapa global de mulheres na política da Organização das Nações Unidas (ONU) e o 9º lugar entre 11 países da América Latina em estudo da ONU Mulheres.[2]

É com a intenção de combater tais circunstâncias que foram criadas medidas legais e institucionais para efetivar a participação política da mulher cumprindo, inclusive, com o projeto “ATENEA – Mecanismo para acelerar a participação política das mulheres”.

Como exemplo temos a campanha lançada pelo TSE, “Mais mulheres na política: a gente pode, o Brasil precisa”, com a finalidade de inspirar mulheres a ocuparem cargos políticos e mostrar que o aumento de lideranças femininas é bom para toda a sociedade.

Além disso, falamos também das cotas como forma de incentivo, que estão previstas na lei 9.504/97, conforme artigo 10, parágrafo 3º, criadas para impedir que os partidos políticos lancem todos seus candidatos de um mesmo sexo, impondo um limite de 70% (setenta por cento). Ou seja, se um determinado partido lançar 10 (dez) candidatos, 3 (três) referente a 30% (trinta por cento) devem ser mulheres.

Da mesma forma, é preciso considerar que, por conta das cotas, fruto de políticas afirmativas no intuito de ampliar a participação feminina, os partidos são obrigados a destinar uma participação de, no mínimo, 30% para cada sexo.

No entanto, essas ações não vêm apresentando resultados satisfatórios, pois, na prática, o que se observa é que as agremiações registram candidaturas femininas politicamente inviáveis, apenas para cumprir a obrigação legal, cometendo fraudes por meio da criação de candidaturas fictícias.

Visando reverter essa situação, por via de consequência, foi publicada em 29 de setembro de 2021, a emenda constitucional nº 111, que objetivou criar um incentivo financeiros para promover as candidaturas femininas. Sabemos que a maior parte dos recursos ao fundo partidário e ao fundo especial de financiamento de campanha é distribuído segundo a quantidade de votos obtidos pelo partido político para a Câmara dos Deputados, nos últimos pleitos.

A PEC prevê peso dois aos votos dados a mulheres e negros para a Câmara Federal. O peso dois será aplicado no cálculo de distribuição do fundo partidário e eleitoral entre 2022 e 2030, esse mecanismo seria eficiente para estimular os partidos a incluírem nas listas de candidatos nomes competitivos de mulheres e negros.

Por óbvio, pode-se indagar: E se a agremiação partidária eleger uma candidata negra do sexo feminino, como ficaria a contagem dos votos para distribuição dos recursos?

Nesse caso, a contagem em dobro poderá ser feita apenas uma vez, ou seja, se a candidata obteve 50.000 votos, serão considerados 200.000 votos para efeito dessa distribuição. É o que preceitua o art. 2º (…) parágrafo único: A contagem em dobro dos votos a que se refere o caput somente se aplica uma única vez.

É importante também mencionar que a preocupação sobre a efetiva participação feminina na política não foi deixada de lado na resolução de que trata das Federações Partidárias, Resolução TSE nº 23.670, aprovada pelo Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na sessão de 14 de dezembro de 2021, onde se definiu que, para evitar fraudes, a cota de gênero nas candidaturas proporcionais deve ser atendida tanto pela lista da federação, globalmente, quanto por cada partido. Ou seja, isso evita que as candidaturas femininas sejam concentradas nos partidos que menos recebem recursos.[3]

Nesse sentido, é importante destacar a importância da citada emenda, uma vez que se passa a valorizar, inclusive monetariamente, o voto recebido pela mulher. Já não se trata de mulheres candidatas, mas candidaturas com reais possibilidades de vencer e ocupar espaços de decisão e de poder.


[1] https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Julho/acoes-do-tse-incentivam-maior-participacao-feminina-na-politica.

[2] “O Brasil está entre os países com os piores indicadores da América Latina no que diz respeito aos direitos políticos das mulheres e à paridade política entre homens e mulheres.” https://www.onumulheres.org.br/noticias/estudo-conduzido-pelo-pnud-e-pela-onu-mulheres-sobre-direitos-politicos-das-mulheres-coloca-o-brasil-em-9o-lugar-entre-11-paises-da-america-latina/

[3] https://www.conjur.com.br/2021-dez-15/tse-age-coibir-fraudes-uso-inedito-federacoes-partidarias

A CARGA TRIBUTÁRIA SOBRE OS COMBUSTÍVEIS: UMA ANÁLISE DA LEI COMPLEMENTAR Nº 192/2022

Por Larissa Pinheiro Quirino (Mestre. Professora de Direito Processual Civil, Direito Tributário e Direito Financeiro e Econômico da FASP)

Fonte da imagem: Jornal Contábil

Diante de um quadro onde vemos um aumento constante no preço dos combustíveis, gerando consequências diretas no cotidiano da maioria das pessoas (sejam aquelas que tem automóveis próprios, sejam aquelas que utilizam transporte público), nos questionamos como se compõe o preço desse produto e qual o real motivo para a elevação dos valores repassados aos consumidores.

Um dos tributos que incide na cadeia de circulação dos combustíveis é o ICMS-Combustíveis, que tem previsão no art. 155, § 2º, XII, “h” e § 4º, da Constituição Federal e regulamentado pela Lei Complementar Nacional nº 87/1996 (Lei Kandir).

Muito se afirmou durante os anos de 2021 e 2022, que o ICMS seria o grande vilão em relação ao aumento de preços sentidos nos “postos de gasolina”, de modo que o Governo Federal aprovou a Lei Complementar nº 192/2022, com a finalidade de reduzir o preço dos combustíveis através de mudanças na incidência do imposto em referência.

A Lei Complementar nº 192/2022 foi promulgada na data de 11 de março de 2022, e realizou alterações na Lei Kandir, regulando a incidência monofásica do ICMS-Combustíveis prevista no art. 155, § 2º, II, “h”, CF/88 (h) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade, hipótese em que não se aplicará o disposto no inciso X, b).

Antes da aprovação da citada legislação, cada Estado-membro tinha uma alíquota diferente de ICMS-Combustíveis, de modo que não havia uma uniformização de parâmetros para cobrança. Além disso a incidência era polifásica, ou seja, cada etapa da produção de combustíveis tinha um valor diferente, e os Estados poderiam aumentar ou diminuir o percentual (alíquota) do imposto cobrado sobre os combustíveis de forma individual.

Com a Lei Complementar nº 192/2022, tivemos as seguintes alterações na incidência do ICMS sobre os combustíveis:

  1. A cobrança do imposto passou a ser uniforme em todo o território nacional, podendo ser diferenciada apenas em relação ao produto circulado (art. 3º, V, “a);
  2. Sua alíquota será definida de forma ad rem[1], considerando a unidade de medida (como o litro do combustível, no caso de combustíveis líquidos). Essa mudança faz com que o valor do imposto seja sempre calculado em relação à quantidade de combustível circulado, não acompanhando as oscilações de preços e os aumentos decorrentes da inflação, o que ajuda a diminuir o valor final do ICMS que incide sobre o combustível;
  3. As suas alíquotas poderão ser reduzidas ou restabelecidas no mesmo exercício financeiro, mas devendo obedecer ao princípio da noventena, previsto no art. 150, III, “c” da Constituição Federal. Isto quer dizer que o ente tributante poderá diminuir ou retornar ao patamar superior que a alíquota tinha antes, no mesmo ano calendário, mas deve aguardar, pelo menos, 90 (noventa) dias para aplicar a alíquota restabelecida (aumentada ao patamar anterior).

As modificações apontadas acima, são as principais alterações que esta lei complementar traz em relação ao ICMS-Combustíveis, sendo perceptível a intenção do Governo Federal em tentar reduzir o valor final do produto para o consumidor, através da redução da incidência do imposto estadual.

Busca também trazer uma uniformização na cobrança, de modo buscar uma maior segurança jurídica ao sujeito passivo dessa relação jurídica tributária, facilitando os trâmites arrecadatórios.

Numa visão imediatista, poder-se-ia afirmar que a medida adotada pelo Governo Federal resolve todos os problemas relacionados ao preço dos combustíveis, porquanto o preço deveria ser reduzido com a nova forma de cálculo do ICMS. No entanto, devemos fazer algumas considerações mais aprofundadas sobre o tema, sem ter a pretensão de esgotar a análise acerca das mudanças trazidas pela LC nº 192/2022, o que não seria possível num breve ensaio.

Em primeiro lugar, a reflexão mais premente que se deve fazer é em relação ao que compõe o preço dos combustíveis.

De acordo com dados da Petrobrás, em fevereiro de 2022, em relação ao valor da gasolina: 34,1% decorre dos ativos a serem pagos à Petrobrás; 26,7% ICMS; 15,7% valor do etanol que compõe a gasolina; 10,4% de contribuições especiais federais; 13,1% vai para distribuição e revenda. Em relação ao valor do diesel: 55,8%  decorre dos ativos a serem pagos à Petrobrás; 15% ICMS; 10,7% de biodiesel; 6,1% de contribuições especiais federais; 12,4% vai para distribuição e revenda[2].

Diante destes dados, verificamos que o real vilão no aumento do preço dos combustíveis são os valores destinados à Petrobrás, principalmente após a modificação ocorrida em 2016, no Governo Temer, quando se passou a aplicar a Política de Preços de Paridade de Importação (PPI), onde se considera como 100% dos combustíveis que circulam no Brasil fossem importados, mesmo sabendo-se que parte do petróleo é extraído em solo nacional.

O valor do ICMS não estava sendo aumentado, pois a alíquota aplicada pelos Estados era fixa. Ocorre que, como o valor dos preços praticados pela Petrobrás sempre aumenta quando há alterações do dólar, a base de cálculo do imposto era que aumentava, gerando um valor final do tributo mais elevado. Mas não por culpa de aumento de tributação por parte dos Estados.

Além dessa constatação, deve-se haver uma reflexão sobre os impactos a longo prazo em decorrência dessa imposição federal da modificação de cálculo de um imposto estadual.

Em primeiro lugar, é uma alteração de constitucionalidade duvidosa, porquanto há dúvidas se a LC nº 192/2022 não estaria ferindo o princípio do Pacto Federativo, onde a União interfere em como outro ente público deve realizar a arrecadação de um imposto de sua competência.

Noutro giro, fica claro o fato de que haverá uma queda de arrecadação dos Estados, haja vista o valor do ICMS ser calculado agora com base na quantidade de combustível e não no preço do produto, de modo que o litro de gasolina pode estar valendo R$ 10,00 (dez reais) ou R$ 20,00 (vinte reais), mas o valor do tributo será sempre o mesmo, não acompanhando a inflação. De acordo com estudos do Instituto Fiscal Independente (IFI) – órgão ligado ao Senado Federal -, há uma previsão de queda de arrecadação no importe de R$ 13,3 bilhões, num período de 60 (sessenta) meses[3].

Diante desse previsível rombo nos cofres públicos estatais, a realidade histórica tem nos mostrado que quem arca com as consequências desse decréscimo financeiro é a população mais necessitada de serviços prestados pela Administração Pública, pois os primeiros cortes realizados geralmente ocorrem nas prestações sociais.

E o pior de tudo é que, na prática, os consumidores não foram capazes de sentir nenhuma melhora no preço do produto na hora de encher os tanques de seus veículos ou no pagamento das tarifas para utilização de transportes públicos.

Considerando todas essas reflexões, devemos continuar nos questionando: as alterações impostas pela Lei Complementar nº 192/2022 resolvem o problema do aumento do preço dos combustíveis; ou nós, como cidadãos conscientes, devemos lutar para alterações mais profundas na composição do preço desse produto, aliadas a uma reforma tributária que traga, de verdade, maior justiça fiscal e respeito aos entes federados?!


[1] Na doutrina tributarista, classifica-se as alíquotas em “ad valorem” ou “ad rem”(específica). As alíquotas ad valorem são aquelas caracterizadas como percentuais sobre a base de cálculo indicada. Por exemplo, se o ICMS-Combustíveis no Estado de Pernambuco tivesse uma alíquota ad valorem  de 18%, então numa venda de R$ 100,00 (cem reais) de gasolina, o valor de ICMS seria R$ 18,00 (dezoito reais). Já as alíquotas ad rem são aquelas em que se determina um valor X de tributo para cada unidade de medida do produto circulado. Como exemplo, podemos citar a situação de se impor um valor de R$ 0,50 (cinquenta centavos) de ICMS a cada 1 (um) litro de gasolina, de modo que se a circulação de 20 litros de gasolina, geraria um imposto no valor de R$ 10,00.

[2] Dados atualizados sobre a composição dos preços dos combustíveis disponível em: https://petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/composicao-de-precos-de-venda-ao-consumidor/. Acesso em 03 mai. 2022.

[3] Relatório de Avaliação Fiscal do IFI, disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/596473/RAF62_MAR2022.pdf. Acesso em: 03 mai. 2022.

DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA DO ICMS E A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE APÓS A PROMULGAÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 190/2022

Texto escrito por Larissa Pinheiro Quirino, professora de Direito Tributário, Direito Processual Civil e Direitos Financeiro e Econômico da FASP.

Fonte da imagem: https://www.jornalcontabil.com.br/difal%E2%80%AFem-2019-mudancas-e-consequencias-para-nao-contribuintes-do-icms/

O objetivo deste artigo é analisar como se deve aplicar a cobrança do diferencial de alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e Comunicações (ICMS), diante dos princípios constitucionais da anterioridade do exercício financeiro e da noventena, a partir da alteração feita na Lei Kandir pela Lei Complementar nº 190/2022.

Mas antes de adentrar na problemática do artigo, faz-se necessário introduzir o leitor a alguns conceitos e ideias básicos do Direito Tributário.

O ICMS é um tributo de competência estadual, sendo responsável por boa parte da arrecadação de valores para o Erário, tendo um caráter nitidamente fiscal[1]. De acordo com o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), no ano de 2018, a Região Sudeste foi responsável por 49% (quarenta e nove por cento) do total da arrecadação do ICMS naquele ano[2]; o que nos leva a refletir, como bem o fez Luciano Coutinho[3], que a Região Sudeste – composta pelos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo – concentra o grande centro econômico-financeiro do país.

Acredita-se que, atento a esta concentração econômica em determinados Estados, o legislador constituinte determinou que deveriam existir o pagamento de diferencial de alíquota do ICMS quando houvesse circulação de mercadorias entre Estados-Membros diversos.

Mas o que é diferencial de alíquota do ICMS, como acontece a cobrança deste imposto quando há circulação de mercadorias entre Estados diferentes e quais a mudanças ocorridas nesta espécie de cobrança?

Primeiro cabe-nos delimitar como ocorre a cobrança do ICMS, de forma bem simples e didática.

Quando há circulação de mercadoria dentro do mesmo Estado – por exemplo, quando uma empresa adquire mercadorias de uma indústria para revenda, tudo dentro da mesma Unidade da Federação -, não há maiores complicações: aplica-se a alíquota interna do ICMS e o vendedor [contribuinte de direito[4]] recolhe aos cofres públicos o valor do tributo.

Ocorre que, por vezes, os produtos industrializados têm sua produção concentrada em determinados Estados, de modo que os revendedores e consumidores de determinadas mercadorias se veem obrigados a adquirir tais bens em outros Estados que não os de seu domicílio. É o que ocorre, por exemplo, quando uma empresa de Pernambuco precisa adquirir produtos de informática fabricados em grandes empresas de São Paulo, por exemplo. Foi considerando essas situações; bem como considerando a concentração da arrecadação tributária de ICMS; que a Constituição determinou a possibilidade da aplicação de alíquotas interestaduais e do diferencial de alíquota.

De acordo com o art. 155, § 2º, VII, da Constituição Federal de 1988, quando um contribuinte habitual do ICMS adquirisse bens ou serviços de outro Estado, deveria pagar a alíquota interestadual para o Estado de origem do produto, pagando o diferencial de alíquota para o Estado de destino.

Para ilustrar: caso uma empresa X de Pernambuco [contribuinte habitual do ICMS] comprasse um produto de uma empresa Y de São Paulo, deveria pagar a alíquota interestadual para São Paulo, que hoje é de 7% (sete por cento)[5]. Além da alíquota interestadual [paga ao Estado de origem do produto], deveria pagar ainda a diferença entre a alíquota interna de Pernambuco aplicável ao caso, e a alíquota interestadual. Considerando que em Pernambuco a alíquota interna, em regra, é 18%, no caso hipotético, a empresa X deveria pagar uma alíquota de 7% para São Paulo, e uma alíquota de 11% para Pernambuco.

Verifica-se que a finalidade da norma constitucional é redistribuir renda tributária, de modo a minimizar a concentração de arrecadação em determinadas regiões do país, em detrimento das demais; oportunizando o desenvolvimento mais igualitário possível nos diversos lugares do Brasil.

O texto originário da Constituição determinava a aplicação do diferencial de alíquota do ICMS apenas em relação aos adquirentes de bens e serviços que fossem contribuintes habituais do imposto; de modo que, se a mercadoria fosse adquirida por um consumir final, não contribuinte do ICMS, não haveria aplicação de alíquota interestadual e diferencial de alíquota (DIFAL).

Com a Emenda Constitucional nº 87/2015, a sistemática do DIFAL foi estendida aos adquirentes não contribuintes do ICMS, momento em que se inicia uma série de conflitos e irregularidades legislativas em relação ao instituto. O inciso VII, do § 2º, do art. 155, da CF/88 passou a ter a seguinte redação:

VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;   

Referida emenda trouxe também regras de transição para melhor aplicação da sistemática, buscando evitar impactos financeiros pela mudança abrupta na arrecadação, determinando a repartição dos valores arrecadados com a aplicação do DIFAL:

ADCT – CF/88

Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do § 2º do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção:         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)

I – para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)

II – para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)

III – para o ano de 2017: 60% (sessenta por cento) para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)

IV – para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)

V – a partir do ano de 2019: 100% (cem por cento) para o Estado de destino.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 87, de 2015)

A partir desta modificação realizada em 2015, os Estados começaram a aplicar a cobrança da DIFAL na aquisição de bens e serviços interestaduais por consumidores finais, baseados na regulamentação feita por convênio do CONFAZ (Convênio nº 93/2015[6]).

No entanto, em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar acerca da constitucionalidade do referido Convênio, julgando conjuntamente o Recurso Extraordinário nº 1.287.019/DF e a ADI nº 5.469/DF; momento em que declarou a inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, usando como ratio decidendi a impossibilidade da exigência do Diferencial de Alíquota de ICMS (DIFAL) para operações e prestações interestaduais que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS por meio de convênio. De acordo com o STF, o DIFAL só poderia ser cobrado se o texto constitucional (modificado através da EC nº 87/2015) fosse regulamentado por meio de lei complementar.

O Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da decisão judicial, ressalvando as ações judiciais que requeriam a anulação do lançamento tributário propostas até a data de 24/02/2021, da seguinte forma:

  1. Até o final de 2021 => deveria ser mantido o recolhimento do DIFAL nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS;
  2. A partir de 1º de janeiro de 2022 => a cobrança do DIFAL nas operações e prestações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS, dependeria da vigência de lei complementar disciplinando as regras gerais sobre o imposto nesta hipótese.

A fim de legitimar a cobrança do DIFAL nas operações retratadas acimas, foi promulgada a Lei Complementar nº 190, na data de 04 de janeiro de 2022, regulamentada pelo Convênio CONFAZ nº 236/2021, publicado no Diário Oficial da União em 06 de janeiro de 2022[7].

Agora o leitor pode pensar: estão resolvidos todos os problemas em relação a esta cobrança do diferencial de alíquota do ICMS nas circulações interestaduais para consumidor final não contribuinte do ICMS.

Infelizmente esta afirmação não corresponde à realidade.

A promulgação da LC nº 190/2022 encerrou as discussões acerca da possibilidade da aplicação do DIFAL nas operações acima referidas; mas iniciou uma outra discussão: a partir de que momento o Estado de o Estado de destino pode cobrar o diferencial de alíquota, quando o consumidor não for contribuinte do ICMS?

O art. 3º da LC nº 190/2022 trata sobre sua vigência:

Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, observado, quanto à produção de efeitos, o disposto na alínea “c” do inciso III do caput do art. 150 da Constituição Federal.

Percebemos, portanto, que, de acordo com a lei referendada, o diferencial de alíquota no caso em estudo, poderá ser cobrado a partir de 90º (nonagésimo) dia após a publicação da lei complementar. Isto porque, pela leitura do texto normativo, aplicar-se-ia à norma tão somente a anterioridade nonagesimal prevista no art. 150, III, “c”, da Constituição Federal de 1988.

A discussão iniciada pelos tributaristas e pelos contribuintes, é em relação à aplicação da anterioridade do exercício financeiro, prevista no art. 150, III, “b” da CF/88, que determina que nenhum tributo poderá ser cobrado no mesmo exercício financeiro em que tenha sido criado ou aumentado.

O ICMS é um imposto que não excepciona nenhum dos dois princípios da anterioridade tributária, sempre se lhe aplicando o art. 150, III, alíneas “b” e “c”. Não se compreende qual o motivo jurídico de a LC nº 190/2022 ter previsto apenas a aplicação da noventena, afastando a anterioridade do exercício financeiro.

Note que a aplicação do diferencial de alíquota representará uma cobrança maior do valor do tributo em questão, de modo que se insere na proteção prevista no art. 150, III, da CF/88.

Estamos diante, portanto, de um conflito não apenas de regras, mas também de princípios jurídicos: de um lado temos a previsão da cobrança do DIFAL, que visa promover uma tributação mais equilibrada entre os Estados e as regiões do país, evitando a concentração de renda em determinadas localidades, o que é bom para a população do Estado de destino do produto [considerando que os valores arrecadados deverão ser investidos em benefício da população]; de outro, temos a limitação constitucional ao poder de tributar, caracterizada pelo princípio da anterioridade tributária, que visa evitar que o sujeito passivo da relação jurídico-tributária seja surpreendido com a cobrança de um tributo novo, ou de um valor maior de tributos já existentes.

No meu entender, ambas as perspectivas jurídicas são importantes e válidas.

A primeira tem uma ligação clara com o ideal de justiça fiscal; e a segunda, traz uma norma mais protetiva aos direitos individuais do cidadão.

Apesar de concordar com o ideal do diferencial de alíquota, considerando válida a tentativa de minimização de disparidades de arrecadação entre as regiões do país; neste particular, acredito que deve prevalecer o princípio da anterioridade do exercício financeiro, pelos seguintes motivos:

  1. Porque o contribuinte deve ter o mínimo de segurança jurídica em relação as exações do Fisco, a fim de evitar cobranças indevidas e injustas pelo Estado;
  2. Porque deve dar um tempo para os Estados se organizarem para realizar a cobrança da DIFAL nos termos trazidos pela nova legislação, evitando assim a judicialização das discussões sobre inconsistências e incorreções nas cobranças do DIFAL do ICMS.

Não se discute aqui a importância do DIFAL do ICMS na sistemática de cobrança deste imposto nas operações interestaduais, seja nas aquisições realizadas por contribuinte do imposto [que sempre foi pacífica a cobrança], seja por não contribuinte [objeto deste artigo]. No entanto, no atual cenário em que se encontra o ordenamento jurídico, considerando que o Supremo Tribunal Federal determinou a necessidade da edição de lei complementar para a exigência do diferencial de alíquota do ICMS nas operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte, defende-se que a LC nº 190/2022 deve obedecer não só ao princípio da noventena, mas também à anterioridade do exercício financeiro, e assim garantir a segurança jurídica necessária para um sistema tributário justo, confiável e legítimo.


[1] Tributo de caráter fiscal é aquele cuja finalidade precípua é a arrecadação; em contraposição aos tributos de caráter extrafiscal, que, não obstante arrecadem valores para os cofres públicos, tem como finalidade principal interferir em questões econômicas e sociais, como os impostos de importação e exportação.

[2] Conselho Nacional de Política Fazendária. (2018). Comissão técnica permanente do ICMS. Disponível em: https://www.confaz.fazenda.gov.br/noticias-do-confaz/confaz-publica-boletim-de-arrecadacao-dos-tributos-estaduais-relativos-ao-ano-2018#:~:text=7%2C85%25.-,Principal%20imposto%20estadual%2C%20o%20ICMS%20teve%20uma%20evolu%C3%A7%C3%A3o%20de%207,R%24%20445%2C653%20bilh%C3%B5es%20de%202017. Acesso em 22 fev. 2022.

[3] COUTINHO, L. (2015). Prefácio: O BNDS e a missão de promover o desenvolvimento regional. In C.F.C.Leal, L.Linhares, C.Lemos, M.M. da Silva, & H.M.M. Lastres. Um olhar territorial para o desenvolvimento: Sudeste (prefácio, 5-12). Rio de janeiro: BNDS.

[4] Fez-se esta ressalva porque o ICMS é entendido como um tributo indireto, de modo que o ônus do valor do tributo é suportado, na verdade, pelo adquirente da mercadoria, que acaba se tornando o contribuinte de fato do imposto; pois o valor do ICMS é embutido no valor da venda.

[5] Vide Resolução nº 22/1989 do Senado Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/congresso/rsf/rsf%2022-89.htm. Acesso em 22 Fev. 2022.

[6] Conselho Nacional de Política Fazendária. (2015). Convênio nº 93. Disponível em: https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2015/CV093_15. Acesso em: 22 Fev. 2022.

[7] Conselho Nacional de Política Fazendária. (2022). Convênio nº 236. Disponível em: https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/2021/CV236_21. Acesso em: 22 Fev. 2022.

“(IN)CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 33, I, DA LEI KANDIR: Uma análise da (in)aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade sobre a aquisição de mercadorias para uso e consumo por contribuintes de ICMS

Texto produzido por Larissa Pinheiro Quirino, professora de Direito Tributário, Direito Processual Civil e Direito Financeiro e Econômico da FASP.

Fonte da imagem: https://www.jacalculei.com.br/contabilidade-online/contabilidade-online-icms-o-que-e-como-calcular/

Uma das espécies tributárias já falada por mim nos textos anteriormente escritos nesta coluna, é o imposto, momento em que se informou ser uma espécie contida na classificação pentapartida adotada pelo Supremo Tribunal Federal.

Dentro da divisão de competências tributárias prevista na Constituição Federal de 1988, o tributo que mais arrecada no Brasil, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) em 2016[1], o ICMS, é de competência dos Estados-Membros.

Previsto no art. 155 da Constituição Federal, o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) é um dos mais complexos – senão o mais complexo – do sistema tributário brasileiro.

Pela leitura do texto constitucional, podemos perceber que o critério material da regra-matriz de incidência tributária do ICMS é múltiplo, de forma que este imposto incide quando ocorre circulação de mercadorias e quando há prestação de serviços de transporte intermunicipal e interestadual e serviço de comunicação de forma onerosa. O art. 155, IX, “b”, da Constituição Federal prevê ainda a possibilidade da incidência do ICMS sobre o valor do serviço agregado ao valor de mercadoria fornecida, desde que o serviço em questão não esteja previsto na Lista Anexa da Lei Complementar nº 116/2003, que regulamenta o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência municipal.

Apesar do ICMS ter várias peculiaridades, irei focar neste texto no princípio da não-cumulatividade a ele aplicado por expressa previsão constitucional.

O art. 155, § 2º, I da Carta Magna é claro em determinar que o ICMS “será não-cumulativo”, in verbis:

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal[2];

De acordo com a classificação quanto à aplicabilidade das normas constitucionais, desenvolvida por José Afonso da Silva, elas podem ser classificadas como normas de eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia limitada[3]. Diante da leitura do texto constitucional colacionado acima, percebe-se estar diante de uma norma constitucional de eficácia plena, não havendo qualquer indicação de que para aplicação do princípio da não-cumulatividade ao ICMS seja necessária a edição de uma norma infraconstitucional para sua regulamentação, como acontece com as normas de eficácia limitada; nem há previsão de possibilidade de limitação deste princípio, como ocorre com as normas de eficácia contida.

A redação constitucional, na verdade, é bem clara e taxativa, demonstrando de forma direta que a não-cumulatividade em relação ao ICMS é uma obrigatoriedade. De acordo com a doutrina tributarista, essa postura de obrigatoriedade fundamenta-se no fato de que a aplicação da não-cumulatividade em tributos plurifásicos como o ICMS significa a obediência a princípios basilares do Direito Tributário, como os princípios da isonomia e da capacidade contributiva.

De acordo com José Eduardo Soares de Melo:

“Da mesma forma, a lei não poderá estabelecer que, em certa etapa do ciclo, a não cumulatividade seja abolida. A igualdade e a capacidade contributiva de cada um dos agentes do ciclo de produção, de comercialização ou de prestação de serviços de transportes e de comunicação, estão intimamente ligadas à capacidade econômica dos mesmos. A sua preservação pelo legislador ordinário faz com que se mantenha o poder do consumidor de adquirir esses produtos e serviços”[4].

Referido autor destaca a todo momento, que o princípio da não-cumulatividade é endereçado ao consumidor, cidadão que vai usufruir da mercadoria e dos serviços prestados, sobre os quais incide o ICMS, de modo a tornar o preço dos produtos e serviços o menos oneroso possível ao consumidor final; posicionamento doutrinário que é corroborado por Geraldo Ataliba e Cleber Giardino[5].

O ICMS é um tributo de incidência plurifásica, que significa dizer que é um tributo cobrado em cada uma das fases pelas quais a mercadoria passa desde a produção até o consumo. Os tributos plurifásicos podem ser subdivididos em cumulativos e não-cumulativos. No primeiro caso, a incidência dá-se em cascata, pois não há a dedução do valor do tributo pago na etapa anterior, acumulando-se o imposto nas transações subsequentes, como ocorre com a incidência das contribuições sociais de PIS e COFINS em relação às empresas que optam pela tributação por lucro presumido ou pelo SIMPLES NACIONAL.

Já os tributos plurifásicos não cumulativos são aqueles em que, mesmo havendo a cobrança do tributo em todas as fases de circulação da mercadoria, por exemplo, existe a dedução do que foi pago a título do mesmo tributo nas operações anteriores. Existe mais de um método de cálculo para a exigência de tributos não cumulativos, de acordo com o que explica Fabiana Del Padre Tomé:

  1. Método direto substrativo: consiste na aplicação da alíquota do tributo sobre a diferença entre as saídas e as entradas. Deduz-se da base de cálculo do tributo (preço de venda), do serviço, do valor da receita, etc.) o montante correspondente às entradas necessárias ao desenvolvimento da atividade tributada, para, sobre esse resultado, aplicar-se a alíquota.
  2. Método direito aditivo: determina a aplicação da alíquota tributária sobre o valor efetivamente agregado. Nesse caso, o quantum devido é calculado mediante a incidência da alíquota sobre o somatório da mão-de-obra, matérias-primas, insumos, margem de lucro e quaisquer despesas do contribuinte, tendo em vista ser essa soma acrescida ao preço da atividade sujeita à tributação.
  3. Método indireto substrativo: determina o valor devido por meio da diferença entre a alíquota aplicada sobre as sápidas e a alíquota correspondente às entradas. É a sistemática adotada para o IPI e ICMS.
  4. Método indireito aditivo:  estipula seja o tributo calculado por meio da somatória da aplicação da alíquota a cada um dos elemtnos que compõem o valor agregado pelo contribuinte. Por exemplo: o somatório da alíquota incidente sobre os fatores de mão-de-obra, matérias-primas, margem de lucros e demais despesas voltadas à consecução da atividade do contribuinte[6].

Diante do que foi exposto até o presente momento, poder-se-ia entender que inexistem maiores discussões sobre a aplicabilidade do princípio da não-cumulatividade em relação ao ICMS. Ledo engano.

Uma das grandes discussões que encontramos hoje sobre o tema abordado neste ensaio diz respeito à postergação da aplicação deste princípio, imposta pelo art. 33, I, da Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir):

   Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte:

   I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, nele entradas a partir de 1º de janeiro de 1998;

        I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2000;      (Redação dada pela LCP nº 92, de 23.12.1997)              I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2003;     (Redação dada pela LCP nº 99, de 20.12.1999)
              I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2007;     
(Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)

        I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2011;    (Redação dada pela Lcp nº 122, de 2006)

        I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2020;     (Redação dada pela Lcp nº 138, de 2010)

        I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2033;    (Redação dada pela Lei Complementar nº 171, de 2019)

Observando o texto original e as alterações subsequentes, percebemos que, no que diz respeito às mercadorias adquiridas ao uso e consumo do estabelecimento, o contribuinte do ICMS nunca pôde se valer do crédito decorrente destas mercadorias, mesmo que, na prática, estes valores influenciem diretamente nos preços dos produtos e serviços prestados.

O Supremo Tribunal Federal foi instado a decidir sobre a constitucionalidade do art. 33, I, da Lei Kandir, nos autos do Recurso Extraordinário nº 601.967/RS. O Ministro Relator Marco Aurélio, em seu voto, posicionou-se pela inconstitucionalidade da norma, fundamentando em síntese que:

Se, em relação aos bens integrantes do ativo fixo, o legislador prescreveu doses homeopáticas de não cumulatividade, no tocante aos bens de uso ou consumo, prorrogou sucessivamente a observância ao princípio. Cumpre ao Supremo declarar incidentalmente a inconstitucionalidade do artigo 33, inciso I, da Lei Complementar nº 87/1996, na redação dada pela Lei Complementar nº 122/2006. Conheço do recurso extraordinário e o desprovejo, assentando inconstitucional o artigo 33, inciso I, da Lei Complementar nº 87/1996, na redação dada pela Lei Complementar nº 122/2006.

Fixo como tese: “Viola o princípio constitucional da não cumulatividade lei complementar a impedir o imediato creditamento de ICMS na aquisição de mercadorias de uso e consumo”[7].

No entanto, o voto do relator foi apenas seguido pelo Ministro Edson Fachin, tendo sido vencido, passando a relatar a decisão o Ministro Alexandre de Moraes, tendo sido fixada a seguinte tese:

EMENTA: CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ICMS. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE E REGIME DE COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS. PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. DISCIPLINA POR LEI COMPLEMENTAR. NÃO INCIDÊNCIA DE ANTERIORIDADE NONAGESIMAL NA PRORROGAÇÃO DA COMPENSAÇÃO. PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

1.A Constituição Federal trouxe, no artigo 155, §2º, I, a previsão do princípio da não-cumulatividade relativamente ao ICMS e, em seu inciso XII, alínea c, determina que compete à lei complementar regulamentar o regime de compensação do tributo.

2.Dessa forma, embora a Constituição Federal tenha sido expressa sobre o direito de os contribuintes compensarem créditos decorrentes de ICMS, também conferiu às leis complementares a disciplina da questão.

3.O contribuinte apenas poderá usufruir dos créditos de ICMS quando houver autorização da legislação complementar. Logo, o diferimento da compensação de créditos de ICMS de bens adquiridos para uso e consumo do próprio estabelecimento não viola o princípio da não cumulatividade.

4.O Princípio da anterioridade nonagesimal (ou noventena) é exigível apenas para as leis que instituem ou majoram tributos. A incidência da norma não precisa observar o prazo de 90 (noventa) dias da data da publicação que prorrogou o direito à compensação, nos termos do artigo 150, III, alínea c, da Constituição.

5.Recurso Extraordinário do Estado do Rio Grande do Sul a que se dá PROVIMENTO, para denegar a ordem. Fixadas as seguintes teses de repercussão geral no Tema 346: “(i) Não viola o princípio da não cumulatividade (art. 155, §2º, incisos I e XII, alínea c, da CF/1988) lei complementar que prorroga a compensação de créditos de ICMS relativos a bens adquiridos para uso e consumo no próprio estabelecimento do contribuinte; (ii) Conforme o artigo 150, III, c, da CF/1988, o princípio da anterioridade nonagesimal aplica-se somente para leis que instituem ou majoram tributos, não incidindo relativamente às normas que prorrogam a data de início da compensação de crédito tributário”[8]. (sem grifos no original).

De acordo com o Supremo Tribunal Federal, portanto, o art. 33, I da Lei Kandir é constitucional, sendo possível à lei complementar postergar a aplicação do princípio da não-cumulatividade indefinidamente no caso de mercadorias adquiridas para uso e consumo do estabelecimento. Este posicionamento baseia-se na previsão do art. 155, § 2º, XII, “c” (XII – cabe à lei complementar: (…) c) disciplinar o regime de compensação do imposto)[9].

Com todo respeito à Corte Suprema brasileira, a tese firmada em sede de controle difuso de constitucionalidade não parece ser a mais acertada diante da leitura do texto constitucional e das reflexões doutrinárias sobre o instituto da não-cumulatividade em relação ao ICMS.

Levando em consideração o fato de o princípio da não-cumulatividade ser corolário dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, conforme já destacado anteriormente; considerando ainda que o posicionamento adotado neste estudo é de que a norma constitucional insculpida no art. 155, § 2º, I é de eficácia plena, não havendo previsão de possibilidade de limitação da eficácia da norma por leis infraconstitucionais; o ordenamento jurídico pátrio deveria garantir a aplicação deste princípio que tem como finalidade precípua evitar que os produtos e serviços fornecidos aos cidadãos tenham um valor excessivo, impossibilitando seu consumo; e também buscando evitar a aplicação de uma carga tributária muito pesada sobre os contribuintes do tributo.

O art. 155, § 2º, XII, “c”, da Constituição Federal não autoriza a limitação do princípio da não-cumulatividade, prevendo apenas que a lei infraconstitucional poderá disciplinar o regime de compensação do tributo, o que não equivale dizer que a lei complementar pode anular essa garantia constitucional do contribuinte, como vem ocorrendo sucessivamente pelas alterações da Lei Complementar nº 87/1996.

Verifico, portanto, que a Suprema Corte Brasileira, em relação ao tema abordado neste artigo, adotou posicionamento que não só afronta ao texto expresso e claro da Constituição Federal de 1988, como também encerra uma decisão que anula uma garantia constitucional em favor do contribuinte do ICMS, decidindo contrariamente a princípios como o da capacidade contributiva, indo de encontro com o que deveria ser a principal busca de um Estado de Bem-Estar Social: a justiça fiscal.

REFERÊNCIAS

ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. “ICM e IPI. Direito ao Crédito, Produção e Mercadorias Isentas ou Sujeitas á alíquota Zero”. Revista de Direito Tributário, vol. 46, São Paulo: RT. 1994.

ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

BONILHA, Paulo Celso B. IPI e ICM: fundamentos da técnica não-cumulativa. São Paulo: IBDT & Resenha Tributária, 1979.

BORGES, José Souto Maior. Crédito do IPI relativo a insumo isento. Revista Dialética de Direito Tributário n. 48. São Paulo: Dialética, setembro de 1999.

COSTA, Alcides Jorge. ICM na Constituição e na lei complementar. São Paulo: Resenha Tributária, 1979.

MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Não-cumulatividade tributária. São Paulo: Dialética; Fortaleza: Instituto Cearense de Estudos Tributários – ICET, 2009.

MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 14. ed, rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. p. 251.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

TOMÉ, Fabiana Del padre. “A natureza jurídica da não-cumulatividade da contribuição ao PIS-PASEP e da COFINS: consequências e aplicabilidade”, in Marcelo Magalhães Peixoto e Octávio Campos Fischer (coord.). PIS-COFINS – Questões atuais e polêmicas. Quartier Latin, 2005.


[1] Dados da pesquisa em: https://impostometro.com.br/Noticias/Interna?idNoticia=16. Acesso em: 11 jan. 2022.

[2] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 jan. 2022.

[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006.

[4] MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 14. ed, rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2018. p. 251.

[5] ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. “ICM e IPI. Direito ao Crédito, Produção e Mercadorias Isentas ou Sujeitas á alíquota Zero”. Revista de Direito Tributário, vol. 46, São Paulo: RT.

[6] TOMÉ, Fabiana Del padre. “A natureza jurídica da não-cumulatividade da contribuição ao PIS-PASEP e da COFINS: consequências e aplicabilidade”, in Marcelo Magalhães Peixoto e Octávio Campos Fischer (coord.). PIS-COFINS – Questões atuais e polêmicas. Quartier Latin, 2005, p. 542-543.

[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 601.967 – RS. Relator Ministro Marco Aurélio. Julgamento em 18 ago. 2020. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=753727949. Acesso em: 12 jan. 2022.

[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 601.967 – RS. Relator Ministro Marco Aurélio. Julgamento em 18 ago. 2020. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=753727949. Acesso em: 12 jan. 2022.

[9] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 jan. 2022.

COMO A INJUSTIÇA FISCAL CONCORRE PARA O CRESCIMENTO DA CRISE DA DEMOCRACIA LIBERAL

A persistente vulnerabilidade da democracia liberal | by Fundação FHC |  Fundação FHC | Medium
Fonte: Fundação FHC

Estamos próximos a iniciar o período eleitoral em nosso país, mas a disputa política já é clara, e se mostra bem acirrada entre duas “ideologias” bem distintas.

Longe de querer adentrar em discussões político-partidárias, nosso objetivo com esse texto é refletir sobre aspectos um pouco mais profundos da política, analisando de forma sucinta a crise que a democracia liberal tem enfrentado e qual o papel da justiça fiscal nesse cenário de crise.

De acordo com Manuel Castells, tem crescido mundialmente movimentações populares demonstrando a rejeição à democracia liberal encontrada em determinados países, o que não atinge o ideal de democracia em si, que ainda continua sendo valorizado pela população.

A crise política, que teria tomado dimensão global, surge, em grande medida, pela “crise de legitimidade política”, que seria o rompimento do vínculo subjetivo entre o que os cidadãos pensam e querem, e as ações daqueles a quem elegemos e pagamos seus salários. Em resumo, as pessoas não se sentem representadas pelos políticos que receberam seus votos e estão no poder.

Deste modo, a democracia liberal, que deveria prezar pela “representatividade” e pela existência de “força das instituições”, acaba perdendo sua razão de ser, porquanto deixa de apresentar seus fundamentos mais caros.

No livro “Ruptura: A crise da democracia liberal”, Castells traz o relato da cruel realidade de injustiça fiscal que tem ocorrido em diversos países do mundo, onde, em situações de crise econômica, o Estado vai em socorro de empresas especuladoras e/ou fraudulentas, dando a estas dinheiro dos contribuintes; enquanto aplica uma política de austeridade em relação à parte da população que está em classes menos favorecidas da sociedade, cortando gastos públicos básicos. Neste cenário, verifica-se a falácia da ideologia neoliberal que argumenta a nocividade da intervenção do Estado nos mercados, e o Estado acaba se mostrando “Mínimo” apenas em relação à população mais necessitada de suporte estatal.

Diante deste quadro, em que o Estado prioriza proteger empresas especuladoras e fraudulentas, em detrimento das necessidades dos cidadãos, golpeados pela crise e o desemprego, chega-se a um momento crucial, em que a resignação da população, por vezes, é substituída pela indignação, em face das frustrações reiteradas da esperança na política.

Nesse caos pós-liberal, o que se verifica é um colapso gradual de um modelo de representação, ganhando espaço lideranças políticas que negam as formas partidárias existentes e alteram de forma profunda a ordem política nacional e mundial, surgindo uma estratégia de ascensão ao poder conhecida como “Populismo”[1]. A conduta populista dessas lideranças políticas, tende a querer passar para a população que aquele candidato será um “salvador” para a conjuntura de crise contemporânea, adotando um discurso retórico, utilizando expressões das massas com a finalidade de manipular a população “carente”, que está sedenta de uma solução para os problemas sociais e individuais. Por vezes, estas lideranças adotam uma política de escândalo, onde denigrem de todas as formas, a imagem de outra liderança que está no poder (ou que quer ascender a ele), prática esta que acaba levando a um efeito secundário devastador: inspirar o sentimento de desconfiança e reprovação moral sobre o conjunto de políticos e da política, contribuindo para a crise de legitimidade.

E juntamente com esse sentimento de desconfiança, em determinados casos surge também a política do medo, onde a liderança política incute o medo nas pessoas, que ficam cada vez mais dependentes da proteção do Estado, legitimando ações militares dos governos. Um exemplo muito forte disso é o que aconteceu nos Estados Unidos na Guerra ao Terror, muito bem retratando também do documentário Fahrenheit: 11 de setembro[2].

O que podemos depreender de todo esse contexto, é que os problemas sistêmicos e institucionais não são “privilégios” do Brasil, apresentando exemplos em diversos lugares do mundo. Mas para fazer uma aproximação do problema apresentado e a realidade brasileira, verificamos que, recentemente passamos por movimento muito parecido com o relatado acima.

O Brasil passou (e passa) por uma crise política seríssima, que levou ao impeachment da presidente Dilma Roussef (considerado por alguns como um ato em desacordo com as normas aplicáveis ao instituto, no direito brasileiro[3]), e o crescimento exponencial do sentimento crise de representatividade entre as pessoas. Buscava-se um representante que falasse a língua do povo, que entendesse o que o povo queria e se comportasse de acordo com isso. Nesta conjuntura, surge um líder altamente populista, que aderindo a jargões da massa, com seu discurso retórico, e com a disseminação da política do medo, busca ascender ao poder. O que de fato aconteceu.

E na realidade em que se encontra o Brasil hodiernamente, vemos o perigo que a situação de crise política pode ocasionar; isto porque, numa situação em que as pessoas têm uma desconfiança alta na política, procuram eleger uma figura que quebra com boa parte dos ideais sedimentados, e propõe uma ruptura com o antigo. E, às vezes, essa ruptura abrupta nem sempre é a solução ou se apresenta benéfica para parcela da população mais necessitada.

O que assistimos nosso país, não obstante o “discurso de massa” adotado durante a campanha política, é um governo tendente a manter benefícios já concedidos para os mais ricos (como a isenção dos lucros e dividendos), e adotar políticas ainda mais austeras para boa parte da população, através de medidas como a reforma da previdência, por exemplo.

E daí voltamos àquele mesmo problema em que as pessoas que deveriam aplicar as regras de convivência não as seguem, de modo a gerar indagações deste jaez: como continuar delegando aos representantes às atribuições de administração da coisa pública? E pra quê continuar pagando tributos, se não servem para a patrocinar políticas públicas em benefício geral, mas apenas para ajudar os mais ricos?

Surge, portanto, a questão de necessidade de implantação de uma verdadeira justiça fiscal, com uma mudança real da política brasileira e do comportamento dos governantes, que antes de prezar por discursos retóricos e demagogos, e de adotar uma política de medo, deve-se dar prioridade a uma política justa e que busque minimizar as diferenças existentes entre as camadas sociais.

Conforme explanado desde nossos primeiros textos, somente através de uma efetiva justiça fiscal, com a inversão paulatina de um sistema tributário regressivo para uma tributação progressiva, conseguiremos minimizar a desigualdade social, intelectual e política; pois, ao redistribuir renda e investir o dinheiro público em políticas que beneficiarão a população como um todo (em especial a parcela mais carente), estaremos trilhando um caminho de maior igualdade social e, quem sabe, de escolha mais consciente dos nossos “representantes”. E desta forma, em um futuro meio que utópico teremos políticos mais representativos e comprometidos com o bem comum.

Mas, de acordo com o que defendo em minhas pesquisas, só chegaremos próximo do ideal de Thomas Morus, se tivermos uma justiça fiscal.

REFERÊNCIAS

AINHOA, Uribe Otalora. El populismo como vanguardia del desencanto político en Europa: el fenómeno  Podemos» en España. Revista de Estudio Políticos, 2017, 177, 213-255. doi:  ttps://doi.org/10.18042/cepc/rep.177.07.

CASTELLS, Manuel. Ruptura: A crise da democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

FAHRENHEIT 9/11. Direção: Michael Moore, Produção: Michael Moore; Jim Czarnecki e Kathleen Glynn. Estados Unidos: Lions Gate Films, 2004, 1 DVD.

GALINDO, Bruno. IMPEACHMENT EN BRASIL POS-DILMA: ¿ULISES DESATADO POR HERMES? EL “CANTO DE LAS SIRENAS” HERMENÉUTICO-CONSTITUCIONAL. Revista Videre. Dourados, MS, v.10, n.19, jan./jun. 2018, p. 385-418 – ISSN 2177-7837.

ROSANVALLON, Pierre. O século do populismo: história, teoria e crítica. Tradução: Diogo Cunha. 1. ed. Rio de Janeiro: Ateliê das Humanidades Editorial, 2021.

SANCHES, J. L. Saldanha. Justiça Fiscal. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010.


[1] AINHOA, Uribe Otalora. El populismo como vanguardia del desencanto político en Europa: el fenómeno  Podemos» en España. Revista de Estudio Políticos, 2017, 177, 213-255. doi:  ttps://doi.org/10.18042/cepc/rep.177.07

[2] FAHRENHEIT 9/11. Direção: Michael Moore, Produção: Michael Moore; Jim Czarnecki e Kathleen Glynn. Estados Unidos: Lions Gate Films, 2004, 1 DVD.

[3] GALINDO, Bruno. IMPEACHMENT EN BRASIL POS-DILMA: ¿ULISES DESATADO POR HERMES? EL “CANTO DE LAS SIRENAS” HERMENÉUTICO-CONSTITUCIONAL. Revista Videre. Dourados, MS, v.10, n.19, jan./jun. 2018, p. 385-418 – ISSN 2177-7837.

APLICAÇÃO DE ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS NOS IMPOSTOS REAIS E O IDEAL DE PROGRESSIVIDADE DO SISTEMA TRIBUTÁRIO

Por Larissa Pinheiro Quirino (Professora de Direito Processual Civil e Direito Tributário da FASP)

Fonte: https://www.infomoney.com.br

Imposto é uma das espécies tributárias constante da classificação pentapartite adotada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[1]. Tem como principais características ser um tributo não vinculado [pois não se liga a nenhum serviço ou atividade específica do Estado em relação ao sujeito passivo da relação jurídica tributária] e de destinação vinculada [porquanto a renda que é arrecadada a título de imposto, não pode ser vinculada a nenhuma destinação específica, a não ser aquelas exceções expressamente previstas pela Constituição Federal de 1988].

Uma das várias classificações atribuídas pela doutrina aos impostos, é aquela que o divide entre impostos pessoais e reais. Os pessoais são aqueles ligados a algumas características do sujeito passivo, como o imposto de renda, cujo fato gerador liga-se às rendas auferidas pelo contribuinte. Já os reais, são aqueles impostos que tem fato gerador ligado a patrimônios do contribuinte ou responsável; podemos citar como exemplos destes últimos, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, o imposto sobre transmissão causa mortis e doações (ITCMD) e o imposto sobre transmissão de imóveis (ITBI).

Uma discussão que permeia nossa Suprema Corte há alguns anos, diz respeito à aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos reais. O § 1º do art. 145 da Constituição Federal prevê expressamente que referido princípio (o qual decorre do princípio da isonomia, ligado à igualdade material) aplica-se aos “impostos de caráter pessoal”, o que poderia levar a uma interpretação gramatical/literal restritiva[2].

Inicialmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal foi sedimentada no sentido de entender que o princípio da capacidade contributiva não poderia ser aplicado aos impostos reais, de modo que impostos como o IPTU não poderiam ter alíquotas progressivas considerando o valor do imóvel urbano. A progressividade do IPTU só seria permitida quando da aplicação do ideal de função social da propriedade, nos termos do art. 182, § 4º, II, da Constituição Federal.

Considerando esse posicionamento adotado pelo STF, editou-se o enunciado 668 da súmula deste tribunal, no ano de 2003, onde se delimitou ser “inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana”. A ressalva contida no enunciado colacionado, diz respeito à alteração do texto originário da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 29/2000, que alterou o § 1º do art. 156 da Carta Magna, possibilitando, a partir de 2000, a adoção de alíquotas progressivas a este imposto real, afora os casos do art. 182, também da Carta Magna.

Quinze dias antes da publicação do enunciado acima, referente ao IPTU, o Supremo Tribunal Federal tinha editado o enunciado nº 656 da súmula de sua jurisprudência dominante, afirmando ser “inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão “inter vivos” de bens imóveis – ITBI com base no valor venal do imóvel”.

Considerando essa sequência jurisprudencial, percebe-se que a Suprema Corte Brasileira mantinha um posicionamento no sentido de aplicar uma interpretação literal ao texto do § 1º, do art. 145 da CF/88, considerando inconstitucional a aplicação da capacidade contributiva [com a previsão de alíquotas progressivas] aos impostos de caráter real.

Essa postura do Supremo começou a ser questionada, de modo que chegaram novas demandas a este tribunal superior, agora em relação ao ITCMD (imposto de transmissão causa mortis e doação, de competência estadual – art. 155, I, CF/88), onde se discutia a possibilidade de aplicar alíquotas progressivas a este tributo.

Em 2013, o Supremo Tribunal Federal debruçou-se no julgamento do Recurso Extraordinário nº 562045/RS, analisando a discussão sobre a constitucionalidade do art. 18 da Lei Estadual nº 8.821/1989, do Rio Grande do Sul, que previu a aplicação de alíquotas progressivas ao ITCMD. Neste momento o STF fixou a tese jurídica de que o princípio da capacidade contributiva pode ser aplicado tanto para impostos pessoais como para impostos reais.

Diferentemente do que foi defendido em momentos anteriores no âmbito deste tribunal superior, passou-se a possibilitar a aplicação do sistema progressivo de alíquotas em impostos de caráter real.

Diante dessa mudança de paradigma jurisprudencial, surgem alguns questionamentos: a) pode-se afirmar que o princípio da capacidade contributiva aplica-se hoje a todos os tributos de caráter real?; b) como fica a situação do ITBI? Seria possível aplicar o princípio da capacidade contributiva a este tributo real?

Como professora de direito tributário, costumo sempre advertir os alunos para serem cautelosos ao responderem a estes questionamentos supra indicados.

Em relação ao ITBI não houve nenhuma decisão da Suprema Corte Brasileira modificando o entendimento esposado no enunciado nº 656 da súmula de sua jurisprudência dominante, nem houve nenhuma proposta de cancelamento do enunciado sumular referendado.  Diante destas constatações, é temerário afirmar de forma categórica, que a jurisprudência nacional se posiciona indiscutivelmente pela aplicação indistinta do princípio da capacidade contributiva a todos os impostos reais, haja vista o enunciado nº 656 não ter sido modificado expressamente ou cancelado.

No entanto, como bons críticos e questionadores, não podemos aceitar de forma pacífica a manutenção de enunciados sumulares que estão completamente dissonantes da atual interpretação sistemática do texto constitucional. No momento em que o Supremo Tribunal Federal utiliza como ratio decidendi (e isso faz toda a diferença) a fundamentação jurídica de que o princípio da capacidade contributiva se aplica indistintamente a todas as espécies tributárias (impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais e empréstimos compulsórios), e também a impostos de caráter real, afirmando que a previsão do art. 145, § 1º, CF/88 indica apenas que se deve dar preferência à criação de impostos que tenham caráter pessoal, não havendo vedação à aplicação do princípio aos demais tipos de impostos, esta Corte dá uma amplitude aos efeitos da decisão além do caso concreto – não obstante a demanda tratar-se de uma ação de cunho inter partes, e não ser uma demanda abstrata.

O Recurso Extraordinário nº 562045/RS decidiu expressamente sobre a aplicação do princípio da capacidade contributiva ao ITCMD, mas o fundamento para se chegar a este dispositivo, nos leva, inafastavelmente, a afirmar ser possível a aplicação indistinta deste princípio a outros impostos reais, tal como o ITBI.

Note-se que esta conclusão está coadunada com ideais de justiça fiscal, porquanto a aplicação de um sistema progressivo de alíquotas na incidência de tributos busca materializar princípios como o da isonomia material, tendendo a gerar lançamentos tributários com valores mais condizentes com a condição real que cada contribuinte tem de arcar com os ônus decorrentes dessas receitas derivadas de Estado.


[1] O Código Tributário Nacional, em seu art. 5º, prevê apenas três espécies tributárias: impostos, taxas e contribuição de melhoria. Essa composição foi copiada pelo art. 145 da Constituição Federal de 1988, mas o Supremo Tribunal Federal sedimentou entendimento de que temos cinco tributos no nosso sistema tributário: impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.

[2] CF/88: art. 145 (…). § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. [grifos nossos].

SISTEMA TRIBUTÁRIO REGRESSIVO E DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL

Por Larissa Pinheiro Quirino (professora de Direito Processual Civil e Direito Tributário da FASP)

Fonte: https:/www.jornalcontabil.com.br

De um modo bem didático e de simples compreensão, podemos afirmar que um sistema tributário progressivo é aquele onde quem tem um maior poder aquisitivo, contribui mais com o pagamento de tributos. Neste caso, quem se encontra nas faixas superiores da pirâmide social, tem sobre si uma incidência mais severa de tributação [é submetido ao pagamento de uma maior quantidade de tributos; ou paga tributos com uma alíquota maior[1]].

Esse sistema seria o ideal a ser aplicado em todos os países, pois quanto maior a aplicação da progressividade na tributação, mais fácil se conseguiria minimizar a desigualdade social em um país, pois com uma tributação mais severa sobre os mais ricos, conseguir-se-ia realizar uma melhor distribuição de renda. Em termos práticos, quando se tributa mais severamente aqueles que compõem o 1% mais rico de um país, consegue-se aumentar a receita dos cofres públicos, e destinar tais valores para serviços públicos, como o sistema de saúde pública, que serão utilizados pelas pessoas que não conseguem contribuir de forma mais efetiva com o financiamento do Estado. Nisso consiste a distribuição de renda.

Ao lermos o § 1º, do art. 145 da Constituição Federal de 1988[2], prevendo o princípio da capacidade contributiva, podemos imaginar que encontramos no Brasil um sistema tributário progressivo. Mera ilusão.

O sistema tributário brasileiro é criticado por economistas mundialmente renomados, como Thomas Piketty, diante de suas distorções que o caracterizam como flagrantemente regressivo.

Um sistema tributário regressivo é aquele em que a carga tributária incide de forma mais pesada sobre as pessoas que tem pouca condição de contribuir com o Estado; enquanto se impõe uma carga tributária amena aos mais ricos. Em estudo realizado pela Receita Federal do Brasil, considerando dados emitidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) no ano de 2015, e ratificado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)[3], mostra como o sistema tributário brasileiro é regressivo, de modo que os mais ricos pagam pouco tributo, enquanto os que compõe os setores medianos e baixos da pirâmide social sofrem uma alta tributação.

O fato determinante para essa distorção é a alta incidência de tributos sobre o consumo, os quais hoje representam quase 50% da carga tributária nacional, de modo que, quem ganha pouco e gasta praticamente todo seu salário com consumo de bens e serviços, sofre uma altíssima tributação. Aliado a estes dados, temos ainda uma alta tributação sobre o salário, onde encontramos uma progressividade incipiente nas alíquotas do imposto de renda pessoa física, com uma faixa de isenção ínfima.

Enquanto isso, encontramos uma taxa de tributação sobre lucros, ganhos e rendas de capital num percentual de 18% sobre toda a carga tributária do Brasil, o que significa que aquelas pessoas que têm um maior poder aquisitivo e podem investir em valores mobiliários (como os investimentos na bolsa de valores) e obtém ganho de capital decorrente de investimento em imóveis, por exemplo, estão sujeitas a uma tributação muito menor.

Essa distorção é ainda agravada pela isenção de tributação sobre lucros e dividendos, prevista no art. 10, da Lei nº 9.249/95, de modo que os maiores bancos do Brasil distribuíram dividendos no importe de R$ 18,2 bilhões entre janeiro e março de 2021[4] e não pagaram nada a título de imposto de renda; enquanto quem ganha por volta de R$ 5.000,00 de salário deve contribuir com uma alíquota de 27,5%.

O texto da reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional prevê a extinção da isenção contida na Lei nº 9.249/95, mas ainda é tímida na aplicação de uma tributação severa sobre ganhos de capital, hoje se discutindo a aplicação de uma alíquota de 15%, enquanto a maior alíquota do imposto de renda pessoa física chega a quase o dobro deste percentual.

Os dados apontados acima, decorrentes da análise de pesquisas realizadas por economistas e tributaristas já referendadas, nos leva a uma conclusão inafastável: o sistema de tributação brasileiro está em claro descompasso com o ideal de justiça fiscal e longe de se adequar ao princípio de capacidade contributiva, porquanto se mostra extremamente regressivo, incidindo de forma muito pesada sobre quem menos tem condições de contribuir com os cofres públicos. Deste modo, o Direito Tributário no Brasil está deixando de ser aproveitado como uma útil ferramenta para diminuir a desigualdade social, e está contribuindo para acentuar as distorções sociais e econômicas, diante de escolhas políticas pouco interessantes para a população.

Ousemos, pois, discordar das atuais bases do sistema tributário brasileiro, para ajudar nossos representantes políticos a pensar em modificações mais efetivas e condizentes com os princípios abstratamente insculpidos na Carta Maior do nosso país, a fim de que cheguemos a uma reforma tributária que preze mais pela justiça fiscal, e menos pela mera simplificação [que é necessário, mas não primordial].

REFERÊNCIAS

NABAIS, Casalta. A face oculta dos direitos fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa. Coimbra Editora: Coimbra, 2003.

PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Trad.: Monica Baumgarten De Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca. Edição digital: 2014. Não paginado.

SANCHES, J. L. Saldanha. Justiça Fiscal. Lisboa: FFMS, 2010


[1] Dentro desse ideal de sistema progressivo, institui-se a criação de alíquotas progressivas, as quais aumentam à medida que aumenta a base de cálculo. Um bom exemplo da progressividade de alíquotas relaciona-se à dinâmica de tributação de imposto de renda pessoa física, onde, quanto maior o valor da renda auferida pelo contribuinte, maior será a alíquota aplicada. Outro exemplo é o que encontramos hoje na tributação do ITCMD (imposto incidente sobre transmissão causa mortis e doação) no Estado de Pernambuco, que aumenta o percentual da alíquota à medida que se aumenta o valor do quinhão hereditário.

[2]§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 set. 2021.

[3] Os estudos em referência estavam disponíveis na página da Receita Federal sob o link: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria-2016.pdf. Hoje não é mais possível acessar os dados em referência no site da Receita, mas a análise destes dados pode ser acompanhada na página do IPEA: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=3233. Acesso em: 03 set. 2021.

[4] Notícia contida site: https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/dividendos-bancos-1-trimestre-2021. Acesso em 03 set. 2021.

PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO DO SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO: UMA VERDADEIRA REFORMA?

Por Larissa Pinheiro Quirino
Professora de Direito Processual Civil e Direito Tributário da FASP
Mestre em Direito pela UFPE
Especialista em Direito Tributário pelo IBET

Encontramos hoje, tramitando no Congresso Nacional, quatro propostas de alteração legislativa no que tange ao sistema tributário brasileiro. Duas delas são propostas de emenda à Constituição; e as outras duas, consistem em projetos de lei, para alteração da legislação infraconstitucional.

As propostas de Emenda à Constituição Federal (PECs 45 e 110), ambas datadas do ano de 2019, conglobam uma mesma ideia de alteração. Enquanto a PEC nº 45/2019, proposta pelo Deputado Federal do MDB, Baleia Rossi, visa extinguir cinco tributos (IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS) para a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), propondo concentrar toda a arrecadação desta tributação sobre o consumo nas mãos da União Federal, e retirando o ICMS e o ISS da competência dos Estados e Municípios; a PEC nº 110/2019, proposta pelo Senado Federal, também indica a extinção de tributos incidentes sobre consumo, mas agora fala na extinção de nove tributos (IPI, IOF, PIS, COFINS, PASEP, CIDE-Combustíveis, Saláro-Educação, ICMS e ISS), e propõe a criação de um IBS Federal, o IBS Estadual e Municipal e um Imposto Seletivo.

Além das PECs, nós temos dois projetos de lei em tramitação, os quais foram propostos pelo governo federal.

O Projeto de Lei nº 3.887/2020 visa a instituição da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), extinguindo a PIS e COFINS, mas mantendo a arrecadação da nova contribuição nas mãos da União.

Percebemos claramente que esta primeira etapa de propostas de alteração do sistema tributário brasileiro (apesar de ter outras nuances, mas compilamos até aqui, os principais aspectos), tem como objeto a simplificação da tributação sobre o consumo, no sentido de unificar a cobrança em um ou poucos tributos, o que leva a uma maior facilitação na fiscalização e arrecadação de valores.

Além dessas propostas, temos uma “segunda etapa da reforma tributária”, representada pelo Projeto de Lei nº 2.337/2021, o qual visa, primordialmente, promover alterações no Imposto de Renda, tendo como principais pontos: a) revogar a isenção de incidência de IRPF sobre os lucros e dividendos, alterando o art. 10 da Lei nº 9.249/1995; b) promover a atualização da tabela progressiva do IRPF; c) reduzir a alíquota do IRPJ; dentre outras alterações.

Ao analisar as linhas acima escritas, devo lançar uma pergunta imprescindível ao leitor: podemos afirmar que as propostas em tramitação no Congresso Nacional, encerram uma verdadeira reforma tributária?

A reflexão deve ser profunda e é extremamente necessária.

Costumo sempre afirmar em minhas aulas e conversas sobre Direito Tributário, que o nosso sistema tributário é extremamente regressivo, e contribui sobremaneira para a alta concentração de renda e, consequentemente, para a extrema desigualdade social no Brasil. Lições adquiridas com as pesquisas realizadas na Universidade Federal de Pernambuco, sempre acompanhadas da orientação da querida professora Luciana Grassano.

As pesquisas sérias sobre a tributação no Brasil, concluem pela sua regressividade diante da constatação de que aquelas pessoas que ganham menos, arcam com um maior peso da carga tributária; enquanto aquelas que compõem o topo da pirâmide social, são pouco tributadas. Mas como isso pode ser verdade?!

Simples! Apesar de se poder afirmar que a carga tributária brasileira não é muito alta, perfazendo uma média de 32,1% do PIB nacional, encontrando-se abaixo da média dos países da OCDE; praticamente 50% desta tributação incide sobre o consumo. O que significa que, aquelas pessoas que têm poucos recursos, e utilizam-no quase em sua totalidade em consumo, sofrem uma incidência de uma pesada carga tributária. Noutro giro, a tributação sobre rendas, lucro e ganho de capital perfaz um quantum de apenas 18% do total da carga tributária brasileira; e sobre a propriedade, temos uma tributação de média de 4,5% do total da carga tributária.

Esses dados significam que, uma pessoa muito rica, que tem uma renda mensal de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), gastando apenas R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) com consumo, e tem o restante de sua renda utilizada para investimentos em propriedades e ganhos de capital, terá a incidência de uma carga tributária de 50% [correspondente a consumo] apenas em uma parcela de 10% de sua renda mensal. O restante de sua renda, sofrerá uma incidência muito pequena de tributação.

Enquanto a pessoa que está na base da pirâmide social, ganha um salário mínimo, e gasta todo seu salário com consumo (feira, gás, aluguel…) tem uma incidência de carga tributária de 50% [correspondente ao consumo] sobre a totalidade de sua renda mensal.

Mas por que estou falando de regressividade do sistema tributário brasileiro, se o tema deste ensaio é a “reforma” tributária?

Bem, lembrando da pergunta feita anteriormente: “podemos afirmar que as propostas em tramitação no Congresso Nacional, encerram uma verdadeira reforma tributária?”, não seria possível respondê-la sem ter a consciência da atual situação do sistema tributário brasileiro, pois só assim o leitor será capaz de avaliar se as propostas de alteração realmente reformam alguma coisa.

A regressividade tributária acima apontada consiste em uma deformidade do sistema tributário brasileiro, pois, para atender a ideais de justiça fiscal e isonomia material, necessário se faz que a tributação seja progressiva, de modo que quem tem um maior poder financeiro, contribua mais com o financiamento do Estado através do pagamento de tributos; com isso, consegue-se redistribuir renda [pois com a arrecadação dos mais ricos, investe-se em políticas públicas necessárias para aos mais necessitados[1]], diminuir a desigualdade social e tornar a tributação mais justa e efetiva para uma melhoria da sociedade como um todo.

Esse entendimento está presente em estudos sérios desenvolvidos por Thomas Piketty e Marc Morgan, economistas que realizam pesquisas sobre desigualdade social, e que constataram, em 2018, que o Brasil era o país mais desigual do mundo, em muito decorrente da regressividade da sua tributação.

Dentro desta perspectiva, percebemos que, a REFORMA TRIBUTÁRIA que o Brasil precisa, perpassa pela mudança deste paradigma, buscando diminuir a regressividade do seu sistema tributário, através da diminuição da carga tributária sobre o consumo; o aumento da faixa de isenção do imposto de renda pessoa física; o aumento da quantidade de faixas de alíquotas do IRPF a serem utilizadas de forma mais justa e condizente com o princípio da capacidade contributiva e; acima de tudo, com a imposição de uma tributação mais severa sobre o capital.

Não encontramos nenhum destes pontos nas propostas de alteração que tramitam no Parlamento do nosso país, o que nos leva a crer que nossos “representantes” pouco se importam em representar as verdadeiras necessidades da população que o elege, prezando pela simplificação do sistema de tributação sobre consumo, para uma maior arrecadação, ao invés de diminuir esta carga tributária; trazendo uma atualização incipiente da tabela progressiva do imposto de renda pessoa física; e não trazendo incidência efetiva sobre bens, rendas e ganhos de capital, nem se importando em aumentar a tributação sobre a propriedade, de forma racional, justa e progressiva.

Concluímos, portanto, que as propostas de alteração em tramitação, são uma boa simplificação do sistema de tributação sobre o consumo; mas quando se fala em reforma, as propostas passam longe do sentido real desta palavra.


[1] É ilusório pensar que a tributação é um meio de redistribuir renda de forma efetiva, e de com a tributação o Estado retira cada vez mais dinheiro dos mais ricos para dar as mais pobres através de políticas públicas e programas assistenciais.  Isto porque, quando as grandes empresas e os bancos precisam de socorro, é o Estado que injeta investimento público para “salvar” estas instituições privadas, como aconteceu na crise imobiliária de 2008, nos Estados Unidos, por exemplo.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: Uma análise sobre a conduta antijurídica dos pedidos de fechamento da Suprema Corte Brasileira

Por Larissa Pinheiro Quirino (professora do Curso de Bacharelado em Direito da FASP – Professora de Direito Processual Civil e Direito Tributário. Advogada. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Mestranda pela UFPE)

O Poder Judiciário, separado da interferência direta do Poder Executivo, teve seus alguns de seus contornos com o fim do Regime Absolutista, quando exsurgiram as ideias iluministas de descentralização do Poder do Estado, com Montesquieu e John Locke, por exemplo. Mesmo atenta ao fato de que as ideias acerca da necessidade da separação dos poderes estatais já eram levantadas por Aristóteles, na Antiguidade, foi com o Iluminismo que tivemos mudanças mais consideráveis neste particular.

Os ideais de separação de poderes das teorias clássicas tinham como principal objetivo não a separação do poder em si, mas evitar a concentração do poder estatal nas mãos de um só sujeito, o que já tinha se mostrado desastroso na época do Absolutismo Monárquico. O foco era fugir da tirania, como bem apontado pelos Federalistas na construção política dos Estados Unidos.

Nesse começo, o Judiciário apresentou uma atuação tímida, e até mesmo limitada, de modo a se afirmar, inclusive, que o Judiciário deveria ser um mero “Boca da Lei” (MONTESQUIEU, 1993, p. 301), não havendo grande liberdade na interpretação do texto normativo quando da construção da norma jurídica individualizada (decisão judicial).

No Brasil, o “Supremo Tribunal Federal” foi criado desde o Império, através de ato editado em 10 de maio de 1808, por Dom João, à época nominado de Casa de Suplicando do Brasil. Somente com a Proclamação da República, passou a ter a nomenclatura adotada até os dias atuais, contando com uma configuração de um tribunal com perfil semelhante ao que encontramos hoje.

A atuação do STF durante o período da República Velha foi bastante contida, pois, tendo ocorrido, já naquela época, lutas pelo Poder Executivo (como aconteceu com a ascensão do Marechal Floriano Peixoto à Presidência), os ministros ainda eram temerosos de que o Executivo “fechasse” as portas do tribunal, inclusive tendo sido feita uma ameaça, a qual se atribui ao Presidente Floriano Peixoto, de que se os ministros concedessem novo habeas corpus em favor de “inimigos” políticos do Presidente da República, não se saberia depois que concederia habeas corpus em favor dos próprios ministros[1].

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, no processo de redemocratização do país, assistimos a um contorno de um novo desenho institucional do STF, o qual passou a ser uma Suprema Corte com poderes muito amplos, diante da prolixidade do texto constitucional e da atribuição de grande gama de competência a este tribunal.

Com o passar dos anos, o tribunal começou a perceber sua função dentro de um Estado Democrático de Direito e, considerando que todos deveriam se submeter ao Direito posto (essa é a definição desse modelo de Estado), inclusive aqueles que exerciam os poderes majoritários, o STF passou a proferir decisões cada vez mais ativistas, no sentido de exercer funções que não lhe eram outorgadas tipicamente, mas que correspondiam à sua função de tutela de direitos fundamentais, diante das ações e omissões do Executivo e/ou Legislativo.

O Supremo Tribunal Federal, como todo o Poder Judiciário, tem uma função importantíssima dentro do Estado Democrático de Direito, buscando garantir direitos mínimos previstos na Carta Magna, bem como buscar equilibrar a tensão inevitável entre os poderes estatais. Com o nítido empoderamento da nossa Suprema Corte, aconteceram distorções na execução do seu mister, como bem apontou Oscar Vilhena Vieira [ao falar sobre a Supremocracia] e Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribeiro [que desenvolveram a ideia de Ministocracia]; o que não significa dizer que o STF deve ser minado e extinto dentro do sistema jurídico ao qual nos submetemos.

Devemos nos afastar dos discursos vazios de austeridade, onde por haver distorções na execução de um serviço público, levantamos a bandeira de sua extinção. O que seria de nós, em épocas de pandemia, se tivéssemos encampado ideias estapafúrdias sobre o fim do Sistema Único de Saúde, pelo fato deste serviço público estar sucateado pela desídia do próprio Governo?!

O fato de o Supremo Tribunal Federal errar na mão na condução de algumas discussões jurídicas [aqui refletindo dentro de uma perspectiva bem técnica, e não idealista], não deve nos fazer adotar um discurso de ódio, de quebra de harmonia estatal e completamente inconstitucional.

Defender o fechamento do tribunal que é responsável pela guarda da Constituição Federal e compõe a Corte de Cúpula à qual os cidadãos podem se socorrer para ver garantido seus direitos, é jogar contra si próprio como sujeito de direitos dentro de um Estado Democrático de Direito.

Se existem distorções na atuação do tribunal, o caminho não é a defesa da extinção de instituições estatais, para que não cheguemos a um ponto político, econômico e social de terra arrasada, com a concentração de poder nas mãos de uma única instância, o que, pela História, já sabemos que não é benéfico para a sociedade. As incorreções devem ser estudadas, e propor-se um novo desenho institucional do tribunal e da organização política, com novas perspectivas científicas, como bem defendido por constitucionalistas como Bruce Ackerman e Jeremy Waldron, por exemplo.

O discurso de ódio e extremista, só se adequa àqueles que não têm conhecimento científico e jurídico, que não compreendem que, através de adequações necessárias no cenário político, consegue-se buscar um melhoramento na atuação das instituições. Mas diante de um cenário nacional onde pouco se investe em pesquisa e muito se investe em publicações de redes sociais, é compreensível [mas não aceitável] a disseminação de ideias como a defesa do fechamento da Suprema Corte do nosso país.

A não aceitação de referido discurso vai muito além de questões políticas e ideológicas, pois este não é o foco deste breve ensaio; em termos técnicos e jurídicos, o pedido do fechamento do Supremo Tribunal Federal constitui ofensa à Constituição Federal e se caracteriza como crime contra a Segurança Nacional, previsto nos arts. 16 e 17 da Lei nº 7.170/1983.

Lutemos, portanto, para que o Direito empurre a história pra frente, como diria Luís Roberto Barroso, e para que a desinformação não nos puxe para o retrocesso da tenebrosa centralização de poder, com a extinção de instituições que atuam em favor da garantia de direitos fundamentais.

Referências

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[1]Se os juízes do Tribunal concederem habeas corpus aos políticos, eu não sei quem amanhã lhes dará o habeas corpus de que, por sua vez, necessitarão. Frase atribuída à Floriano Peixoto pelos Historiadores do Direito. In: RODRIGUES. Lêda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal.Tomo I: Defesa das liberdades individuais (1891 – 1898). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p.19.

Fonte: Valor Econômico. <https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/06/01/stf-podera-limitar-o-impacto-bilionario-de-sete-disputas.ghtml&gt;