COMO CONQUISTAR A AUTONOMIA DE ESTUDO

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Por Manoel Uchôa *

 

Em várias ocasiões, sou abordado pelos alunos, geralmente ansiosos, pois estão com dificuldade na adaptação às novas demandas da vida universitária. A sensação de estar perdido e o medo são processos que se passa facilmente no início do curso, em alguns casos no final também. Em Direito, há uma peculiaridade. Por ser um curso de prestígio exagerado na sociedade brasileira, os discentes tendem a ser pressionados de diferentes formas. Primeiro, sua própria pressão, as expectativas que tem para si e em relação ao curso. Isso geralmente deixa alguns alunos a flor da pele, ao ponto de rejeitarem o desafio em diversos sentidos. Uns acabam cedendo a sedutora liberdade que o espaço universitário possibilita, logo, tudo se torna mais interessante que propriamente a aula e o estudo.

Outros sucumbem as exigências e se autodepreciam, saindo precocemente do curso. Alguns outros negligenciam suas obrigações ou, de um modo, por aceitarem que seu caminho já está traçado como se ele fosse se desenvolver espontaneamente; ou, por que tem obrigações exteriores que o exigem muito mais (família, filhos, trabalho, etc.). Alguns se ressentem por arrogância própria: subestimam a pressão do momento, logo, sucumbem por descuido de si. Ninguém é perfeito.

Minha preocupação enquanto professor do ciclo básico reside em duas questões. Primeiro, introduzir e apresentar a vida acadêmica aos calouros. Segundo, incentivar o desenvolvimento das habilidades acadêmicas necessárias a sua autonomia intelectual e prática. Desnorteados e dependentes os alunos chegam, com poucas exceções. É preciso auxiliá-los a conquistar seu espaço e sua própria autonomia no estudo. Essas coisas não se impõem aos alunos. Os professores não são gurus, mas guias de um caminho solitário. É possível simplesmente ajudar na caminhada. Contudo, é um pesar não ser capaz de, por vezes, ajudar em todos os casos. Enfim, ninguém é perfeito.

Os estudantes têm uma tendência a ver a relação com o professor sob a perspectiva de um subalterno. Em muitos casos, os professores sustentam com gozo a superioridade. A relação é baseada num morde e assopra constante. Em outros casos, o professor é colocado na posição subalterna. Não há como cogitar que uma relação hierárquica seja saudável numa sala por muitas razões atualmente que não há como desenvolver nesse texto. Assim, o exercício da docência é um poder que exige prudência e habilidade a fim de proporcionar bons encontros com os alunos. Dar um impulso ao aluno mais do que rebocá-lo. A melhor relação é poder olhar nos olhos sem subterfúgios.

Resolvi, então, escrever este texto a fim de expor alguns pontos cruciais de como estudar, principalmente na condição de calouro. Fui influenciado por alguns professores fundamentais na vida acadêmica. Aprendi que o maior defeito de um professor é esquecer que foi aluno; e, o maior defeito do aluno é esquecer que o professor foi aluno. Então, pesquisando algumas referências bibliográficas, deparei com algumas dicas de estudo do professor John Protevi em seus cursos[1]. Logo, decidi escrever algumas dicas minhas, inspiradas nas dele.

Eis os apontamentos para conquistar sua autonomia de estudante:

 

  1. A autoimagem. Não se pode encher copo cheio. Então, é preciso flexibilizar as premissas. Nem sabemos de tudo, nem de nada. Então, não somos nem gênios, nem imbecis, mas estamos em constante aprendizado. Aluno significa aquele que precisa de alimento. Seja criterioso com o que come. Não adianta só estudar por resenhas, você ficará subnutrido. Nem se deter em tratados prolixos, a erudição é construída com o tempo. Assim, ficará empanturrado e com má digestão. Por isso, procure compreender que nada vale parecer inteligente ou ser inteligente se isso não transformar sua situação e enriquecer sua vida. Ainda mais, que nem todas as respostas estão em sala de aula. Há um abismo entre ensinar e aprender. Não dependa só do professor em sala. Sua sala de aula mesmo é o mundo (mesmo que seja via internet). Pegue as referências dadas pelo professor e parta para sua própria jornada.
  2. Estudar é ler. A leitura é um processo que exige paciência. É preciso ler qualquer texto com cuidado e definir o que está sendo dito, ou seja, procurar primeiro seu “sentido literal”. Para isso, é necessário o “pai dos burros”. Dicionário é seu primeiro instrumento de estudo. Não apenas os mais comuns, mas os temáticos principalmente. Você aprenderá posteriormente que o sentido de qualquer palavra depende do contexto em que é empregada e do autor que a emprega. Use marcadores de texto de cores variadas (amarelo, verde e azul são as melhores) ou sublinhe a lápis. Não tenha dó do livro, ele é apenas um instrumento. Leia de tudo e conecte as leituras! Sempre tenha um livro de literatura para se contrapor as leituras científicas. Lidar com estilos diferentes de escrita é primordial para se tornar um bom pensador e um bom escritor. Leia e releia suas próprias experiências.
  3. Anotar é fundamental. O primeiro modo de se apropriar das ideias e conceitos estudados é a paráfrase. Anotar o sentido literal adaptando a forma que você compreendeu. As notas serão um rastro para o processo de compreensão e reflexão do seu estudo. Anote por tópicos, sentenças, fluxogramas, esquemas, desenhos. Não esqueça de pontuar o que está sendo tratado com esses tipos de figuras. Use mais de uma cor de caneta para atribuir os valores de sua anotação. Suas anotações não são seu texto, nem seu saber, mas o primeiro passo para construir um.
  4. Separe os argumentos. Tente alocar em blocos os argumentos enunciados pelo texto. Observe as conexões entre as premissas e as conclusões. Todo texto tem premissas explícitas e implícitas. Primeiro dê conta das explícitas. Seu estudo ganhará aprofundamento na medida que reconhecer as premissas implícitas, isto é, pontos de partida ou petições de princípios não declarados; ou, influências pressupostas e referências expostas indiretamente. Os pressupostos são o objetivo de um estudo crítico. Sempre esteja armado de um porquê. Claro, cuidado para não se perder. Estudar é também passear por um labirinto de veredas que se bifurcam, então, é preciso saber conquistar os limites aos poucos para não se perder indefinidamente.
  5. Procure os exemplos. Se um autor não fornece exemplos para ilustrar o que diz, não o culpe. Tome isso como desafio. Construa seus exemplos. Ilustre para você mesmo o que o texto está te informando. Para isso, é preciso desenvolver as conexões do texto com a realidade. Todo texto precisa dizer algo sobre a sua vida; caso contrário, será um desperdício. Se você vê no texto algo que se passa perto de você, esse já é o seu exemplo. Conecte o texto com o mundo. Abra as possibilidades da leitura ao contexto. Você enriquece seu estudo. As abstrações são necessárias para lidar com o concreto, porém não se pode dispensar a vida. Não caia na falácia de que teoria não serve na prática. Teoria e prática são lados da mesma moeda do saber.
  6. Desenvolva questões a si mesmo. Entre os argumentos e os exemplos, as perguntas permitem uma espiral para compreensão dos textos. Faça perguntas a si mesmo sobre o texto que acabou de ler. Pode-se chamar isso de reflexão ou diálogo consigo mesmo. Responda as perguntas. Volte a leitura para perceber o que conseguiu assimilar. Com o tempo exponha essas questões para os outros a fim de encontrar novas perspectivas sobre elas. Suas questões provavelmente já foram pensadas e enunciadas antes e permanecerão durante mais algum tempo na vida. O que nos faz contemporâneos de nossas leituras é a conexão entre as questões que nos propomos. As questões estão no mundo a nossa volta. Por isso, são objetivas. Entretanto, elas nos habitam e nos formam de maneira subjetiva. Tentar responder as questões do mundo é fazer a diferença para si mesmo e os outros.
  7. Busque a crítica. Nenhum texto ou autor são absolutos ou obsoletos. Criticar é depurar, separar, decidir, julgar, não falar mal. Procure as inconsistências e conflitos internos ao texto. Observe as lacunas. Identifique os fundamentos e as razões do que o autor propôs. A forma mais direta é compreender o problema que o autor quer responder. Não existe pensamento sem um problema ou um conflito que o instigue. Para entender as ideias e os conceitos é preciso identificar os problemas. É preciso ver o que foi tratado pelo autor e o que foi ignorado por ele. Geralmente, existirão os comentadores para fornecer interpretações diferentes sobre o mesmo texto. É positivo justapor um pouco de cada um. Além de necessário a reconstrução do argumento do autor para provar suas conclusões. No estudo, se buscam referências, não gurus. Duvide, mas também aceite que todo limite é uma passagem para outra experiência. O que você não entendeu não é culpa do texto ou do autor. É preciso reconhecer as próprias limitações. Por isso, buscar a crítica é também desenvolver a autocrítica.
  8. Crie seus argumentos. No momento em que você puder dimensionar seu estudo, desenvolver os hábitos de leitura e a habilidade de ler e criticar, estará pronto para criar seus próprios argumentos. Eles não brotam em árvore nem caem do céu. Mesmo que seja uma fagulha de inspiração, o esforço do choque para cria a centelha é muito maior. Toda inspiração demanda muita transpiração. Para desenvolver seus próprios textos é preciso ter o mínimo de clareza em quatro coisas.
  • Qual é o problema que será abordado no texto?
  • Por que investigar esse problema?
  • Qual é o meio usado para investigar?
  • Qual a resposta que o texto pretende oferecer ao problema?

Comece escrevendo textos simples (resenhas e resumos) para depois produzir artigos e ensaios com sofisticação. Não confunda um bom argumento com a exposição de opiniões. Muitas vezes, se fala muito e se diz pouco. Fala-se de muitos autores, mas não se explica nenhum deles. Acima de tudo, não pense em escrever meramente para convencer alguém de seu ponto de vista, mas para esclarecer um ponto de vista. A dignidade do estudante está em não se convencer de si mesmo.

  1. Estude em grupo. O professor mais importante que você encontrará ao longo do curso é o colega sentado ao seu lado. Ele passará mais tempo conversando, flertando, irritando você. Poderá auxiliar ou atrapalhar sua jornada. Por isso, o estudo em grupo é crucial para a formação acadêmica. Pensar é um processo solitário, mas estudar não: “Quem ensina, aprende duas vezes”. Exercite sua capacidade de exposição e de expectação. Dialogar é uma forma de conciliar teoria e prática. Nesse sentido, o primeiro ponto é a quantidade. Os grupos são baseados em amizades, mas não devem se definir por elas. Não faça um grupo de muitos integrantes. Um grupo grande se torna um falatório geral. Se você não escuta o que seu colega tem a dizer como poderá melhorar. É necessário se desabituar da própria voz. São duas orelhas para uma só boca. Segundo ponto, a qualidade. Se o grupo só se resume a revisar o que foi colocado em sala, acaba por ficar repetitivo e chato. Dispersa em pouco tempo. O grupo deve potencializar o estudo, ir além do que foi visto em sala. O aprofundamento é o cerne de um grupo de estudos. É preciso imergir nos temas, nas questões, nas dúvidas. Por isso, é imprescindível ampliar o espectro de leitura. Grandes obras, pequenos ensaios, resenhas podem expor pontos específicos dos assuntos que, em sala, não seriam desenvolvidos, dada a brevidade dos encontros. E, entenda-se algo sobre rivalidade: é preciso ter orgulho do seu “inimigo”, admirá-lo; quanto mais forte ele for, mais forte você está para ser. Não é querer o lugar do outro, mas é estar no mesmo nível dele.
  2. A internet deve ser um aliado. Não há como virar as costas para a web. Contudo, no estudo, ela mais das vezes serve como distração ou facilidades. É preciso foco e esforço. Não há caminhos fáceis, nem tempo a disposição. As redes sociais não devem ser somente um espaço para esbravejar sobre a matéria e sobre o professor. As desventuras são companheiras duras, mas extremamente relevantes. Esteja preparado para suas escolhas, porém ainda mais para as consequências advindas delas. Nossas circunstâncias nos levam às vezes a decidir muito apressadamente. É necessário parar um instante para calcular o possível e compreender o impossível. O impossível é o verdadeiro fim do saber. É preciso prudência na caminhada. A internet é uma rede, pois se pode trilhar múltiplos caminhos por múltiplas experiências. Procure os sites de periódicos acadêmicos, jornalismo independente, documentários, blogs, bibliotecas digitais, etc. A capacidade de arquivamento da informação na rede é absurda. Busque meios para desenvolver sua autonomia, não ser escravo do trabalho fácil e da nota momentânea. Informação não é sabedoria. O resultado que se pretende é ser um profissional competente e uma pessoa consciente. O que se procura na universidade não é um meio para operar uma máquina, mas a potência de criar um mundo.

 

*Concluiu o bacharelado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Desenvolveu iniciação científica (PIBIC/UNICAP) em Filosofia, na linha de pesquisa de Ética da Alteridade. Estagiou como monitor da cadeira de Filosofia do Direito. Concluiu mestrado em Filosofia do Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente, cursa o doutorado em Direitos Humanos e Desenvolvimento, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas, da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência em temas: ética e filosofia política e do direito, teoria do direito. Desenvolve pesquisa e grupo de estudos em Emmanuel Levinas e Jacques Derrida.

[1] PROTEVI, J. Reading and Conceptual Skills Necessary for Good College Writing. http://www.protevi.com/john/Reading_Skills.html

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